sábado, maio 12, 2007

 

Dia 8 - O Fim 8h47

O final custa sempre, tenho aquele aperto no coração de quem nunca mais vai voltar ao parque debaixo de um traje, como este de estudante. Olhar em volta e ver que muitos outros partilham desta emoção. Nada disto é um fim, é apenas um virar de página, e se o fazemos é porque merecemos chorar, emocionar, sentir que a vida de estudante foi boa mas está a chegar ao fim. O sol já batia sobre o recinto e eu ainda continuava por ali.
Num impulso que mistura o seu quê de copos, com o de seriedade e fidelidade, ajoelhei na poeira do parque, e agradeci a quem me trouxe até este ponto, porque a Ele devo muito, e porque O descobri durante os anos de universitário e essa descoberta mudou o meu modo de encarar toda a minha vivência. Sem Ele esta queima não teria sido a fundo, porque Ele me ensinou a dar o que tenho a 100% porque é isso que as pessoas merecem. Nesta queima procurei estar a 100%, e falhei. Falhei com a família. Mas estive muito próximo disso e durmo muito mais confortado.

Último dia de queima. Jantar marcado em cima do joelho por uma família que me adoptou por uma noite, a família do Rio de Janeiro. Sabia que ia ser o fim, como tal procurei-me pôr no ponto para aquela que seria a última como estudante. Jantar condicionado por ser família adoptiva e por não conhecer todas as pessoas da mesa. Acabei por me juntar a membros de outras famílias para me sentir mais confortável.
Paragem obrigatória na Portagem. Fazem-se competições para ver quem tem a taxa da alcoolémia mais elevada, num posto de informação do ministério da saúde. Deprimente, mas definitivamente ainda é queima. Faz-se paragem para reabastecimento, para ficar ainda mais no ponto. Conversa de um lado, bengalada do outro, cumprimento de um lado e outro até à hora de arrancar para o parque. Já são horas de pôr a caminho, enquanto se canta o refrão da música mais estúpida dos Liquido. O fogo aparece no céu, sinal que os Liquido já acabaram a sua actuação. Sem a exuberância de uma passagem de ano, um fogo pequeno, mas que significa muito, significa que está perto o momento final.
Mais uma vez deixo fugir a companhia que me levou ao parque e vejo-me forçado a procurar nova companhia. Circulo pela multidão, e lá encontro caras conhecidas para ver Jorge Palma. Jorge Palma já estava alegre. Ao fim de uns acordes na viola já se cansou e veio para o piano onde se sentia mais confortável. O concerto continuou noite fora, com as palavras agarradas umas às outras, com grandes dificuldades de serem separadas, típico de quem já vê um pouco tremido. Bom concerto.
Pedro Abrunhosa entra de seguida, mas antes ida às boxes para novo reabastecemento, e toma-se conhecimento de algo que não se queria tomar. Mas nada se pode fazer, e procura-se a mesma companhia para um novo concerto. Abrunhosa trouxe novidades, um disco novo que está para sair. Concerto agradável, que ficou marcado por algumas provocações ao público, quando este pedia para Abrunhosa saltar. Abrunhosa procura alguma intervenção social, referências aos poderes instalados, e a Alberto João Jardim, deve ter feito saltar a tampa aos madeirenses que estavam na plateia. Tudo me pareceu exagerado, mas depois também acho que nos falta um pouco disto: de revolta, de saber estar do contra.
Acabados os concertos fui dar uma volta, saborear cada metro cúbico de poeira do parque. A cada barraca uma foto, para me lembrar como tudo era desta vez. A cada pessoa conhecida uma foto, para que estas fiquem gravadas para sempre no album de recordações. E sózinho tudo isto me pareceu distante, deixava as barracas para trás. Encontro a família do jantar solta nas suas danças, mas apeteceu-me continuar, ir à procura. Mais barracas, mais caras familiares. Até aos primeiro raios de luz foi assim, entre reabastecimentos líquidos e sólidos, a vaguear por um parque de daqui a poucas horas deixaria de ser o meu espaço de diversão. De repente fazia-se luz, e perante o desfazer da multidão as caras conhecidas iam aparecendo aos poucos. Os cartolados sobressaíam agora. Muitos deles lavados em lágrimas, resultado de uma mistura forte de sentimentos com álcool. Aproximei-me de algumas (algumas, sim, os homens tem é de consolar e não ser consolados :-) ), partilhei do seu sentimento de que tudo aquilo não mais seria igual, que os melhores anos da nossa vida ficariam para trás, os amigos, as noitadas, os cafés, as épocas de exame. Mas tal como disse no início, tudo isto foi nossa conquista, e vamos virar uma página que mais tarde ou mais cedo tinha de ser virada, e se temos essa oprtunidade agora temos de nos sentir felizes por isso, porque este era o nosso objectivo quando escolhemos a vida académica. A reacção foi muito boa, foi do melhor que me deram nesta queima, ver um sorriso numa cara lavada em lágrimas.
Depois foi juntar-me ao amigo de copos do início de vida académica, o Xico, e saborear aquele fado com o sol a bater de frente, e passar pela a cabeça o filme deste cinco anos. Várias cenas foram passando com as músicas da noite e do dia, e foi tão bom recordar. Aos poucos as guitarras calaram, e o cordão ia-se aproximando. Tentei ganhar uns metros e então ajoelhei-me e tudo se passou tal como se encontra dito acima. Apareceu um colega a desejar felicidades enquanto rezava. Levantei-me da poeira, e aproxima-se uma rapariga que me pergunta se estava mesmo a agradecer a Deus. Na minha sinceridade respondi-lhe que sim, ao princípio pareceu não acreditar, mas rendeu-se com três bengaladas, três beijos, um abraço grátis e um sorriso de felicidades para o futuro. O cordão estava mais perto. Não queria aproximar-me muito da porta, no fundo estava a fugir ao inevitável, mas não queria que este momento acaba-se por nada deste mundo. Tirei as últimas fotos de um parque vazio, com copos de plástico por todo lado. A porta estava cada vez mais perto. Fiquei a admirar aquela porta como se fosse a mais bela obra de arte, e muito lentamente, com um apertar forte no coração saí. Doeu como nunca pensei, mas está chegar um novo capítulo.
Já estava na hora do pequeno-almoço. O Bolero, em Celas, parecia o destino do costume, e aí foi mesmo seguir a multidão, deixar aquele espaço onde vivi de noite para trás. O ponto de desiquilíbrio ainda era o mesmo e conversa foi-se soltando, reencontros inesperados, depois anos a fim de interregno, conversas sobre a melhor forma de escrever para um blog, enfim, se calhar ficaria horas por ali, mas o corpo pedia descanso, e cumpri o seu pedido.

Foi um prazer enorme partilhar os melhores momentos desta queima com todos. Talvez falte um pormenor aqui ou ali, sem dúvida. Não me consigo lembrar de tudo com alguns dias de atraso. Escrevi quase sempre algo quando cheguei, são sem dúvida as partes mais genuínas, e mais turvas destes relatos. Eram sempre escritas sobre muito cansaço e alguma embriaguez. O resto ia saindo aos poucos. Também aqui foi a 100%. Muito obrigado aos pacientes leitores destas crónicas.

Até sempre Queima.

Fim de Crónica

Barbaridade:
OBRIGADO.

E so nao larguei uma(s) lagrima(s) em pleno laboratorio porque os homens nao choram...
 
Vicissitudes da vida... Nada a fazer a não ser aproveitar o melhor possível cada fase.
Quanto às lágrimas, não querendo desfazer, são lágrimas de crocodilo!
Abraço
 
Diria mais. Lagrimas de Jacaré!!!
 
Diria mais. Lágrimas de Jacaré!!!
Aquele Abraço
 
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