quinta-feira, fevereiro 09, 2006

 

Crónicas de uma doença crónica: Episódio 2

Finalmente tinha terminado o calvário dos exames. Muito embora houvessem épocas mais difíceis para Luís Filipe, onde lhe encomendavam projectos ao ritmo de emails publicitários que enchem as caixas de correio electrónico. Estava com tempo livre para ler romances, folhear todo e qualquer tipo de jornal, desfrutar do conforto de uma sala de cinema ou do seu sofá vendo um filme que acabou de descarregar via Internet. Abria vezes sem contas as mesmas páginas de Internet, os mesmos blogues, à procura de novos posts, de notícias que saíssem e lhe dissessem algo. Tinha caído numa monotonia atroz, que só era libertada quando visitava a família ao fim de semana. Férias em Braga era o que ele menos gostava, mas assim lhe obrigavam os treinos de andebol.
Andava também insatisfeito com o andebol, já não sentia o mesmo prazer do tempo em que jogava com Miguel, o espírito de grupo que se tinha criado nas últimas épocas já não era o mesmo, os resultados da equipa eram medíocres, estava seriamente em pensar deixar a modalidade que abraçou nos últimos anos e dedicar-se a cem por cento ao curso que estava perto de concluir. Falou com Miguel, pediu-lhe uma opinião de amigo. Sem nada de mais importante para fazer decidiu comunicar a decisão ao treinador e direcção do clube.
As suas pernas tremiam-lhe ao entrar para o pavilhão do clube, era uma decisão difícil de tomar. Dirigiu-se à sala da direcção, pediu licença para entrar. Treinador e director da equipa estavam a tratar de assuntos da equipa.
- Olá! Boa tarde! - disse Luís Filipe enquanto trocava cumprimentos com ambos.
- Então Luís que fazes por aqui? - respondeu o Alberto Silva, o seu treinador.
- Estive a pensar no percurso que fizemos este ano, no grupo, e no meu curso também. Falei com algumas pessoas e pedi-lhes uma opinião, e vim comunicar-lhes que vou deixar a equipa imediatamente. Perdi a motivação que tinha para vir treinar, não conheço bem os meus companheiros, não consigo criar laços com eles, acho que já não faz sentido continuar aqui no clube. Tenho um curso difícil para acabar, e não quero facilitar nesta fase final.
Treinador e Director ficaram, como era de esperar em estado de choque. Afinal de contas, depositavam esperanças naquele seu atleta. Era um jovem e ainda tinha larga margem de progressão.
- Luís, a decisão é unicamente tua - respondeu Alberto após uma breve pausa para reflectir -, e posso-te dar a minha opinião. Aliás tu sabes qual é. Não vou estar para aqui a tentar convencer-te a voltares com a tua palavra atrás. Não posso deixar de concordar contigo numa coisa, o ambiente na equipa não é o melhor, mas já tivemos situações mais difíceis para ultrapassar, e conseguimos. Contava com a tua ajuda. És um jogador da casa, um exemplo para os miúdos que estão a começar. Sempre conciliaste os estudos com o desporto. É uma pena se saíres, mas se dizes que não tens motivação, e não te a consigo dar...
- Peço desculpa pela confiança que depositaram em mim. - dizia Luís Filipe com um olhar a vaguear pela sala em que se encontrava - Acho que chegou a hora de deixar este clube. Agradeço tudo o que fizeram por mim. Obrigado. Adeus.
- É uma pena Luís. Adeus...
Luís não conseguiu disfarçar alguma emoção quando deixava o pavilhão. Não era de exteriorizar os sentimentos, nem de lacrimejar, mas foram demasiados anos naquela segunda casa, que deixavam marcas.
No caminho para casa passou pela Sé de Braga. Não era de muita fé, de resto achava tudo aquilo uma beatice. Mas sentiu qualquer coisa a chamá-lo para dentro da Sé. A Sé de Braga era hostil e fria, uma construção antiga, com fortes traços românicos. Ajoelhou-se e benzeu-se com lhe ensinaram na catequese na sua aldeia. Sentou-se num banco corrido ao fundo da igreja, e começou a falar só. Deu consigo a falar com alguém em quem confiava, mas não muito. Agradeceu a coragem que lhe tinha dado para tomar a decisão difícil, pediu-lhe algumas coisas, para se soltar mais, era tímido por Natureza, precisava de força interior para se libertar desse colete-de-forças que era a sua timidez. No fim de tudo, levantou a cabeça, vinha de um banco próximo do altar uma rapariga, que aparentava a sua idade, não lhe conseguiu captar os traços do rosto ao longe, a luz da Sé não era suficiente. Ela passou junto de si, olhou para ele, ofereceu-lhe um sorriso, e disse-lhe um singelo «Olá!», e seguiu o seu caminho. Luís continuou a segui-la com os olhos. Ela dirigiu-se a uma mesa cheia de panfletos ao fundo da Sé. Tentou ver qual o que a rapariga tinha pegado. Despediu-se então de um alguém em que não confiava e dirigiu-se a essa mesma mesa. Qual seria o panfleto que ela tinha tirado? Houve um panfleto que lhe chamou à atenção, era do Centro Académico de Braga. Viu as actividades programadas, achou alguma piada, e levou o panfleto para casa, provavelmente para nunca mais lhe pegar. Mas, se aquela rapariga tinha pegado naquele panfleto? Era o sítio para a encontrar.
Voltou para casa e fez o jantar. Sentou-se em frente à televisão e adormeceu.

Fim de Crónica


Crónicas de uma doença crónica: Episódio 0
Crónicas de uma doença crónica: Episódio 1


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